Era ofegante, era quente. Era bonito, sutil e feroz. A luz da
vela batia no rosto dele e o brilho que se formava naqueles olhos clareavam
mais o quarto do que qualquer vela. Do que qualquer incêndio. Era bom demais
pra mim. Eu precisava saber se era realidade. Algo daquilo.
Repousei meu rosto sobre o peito dele, que ainda tremia um
pouco. Virei levemente meu rosto a ponto de que meus lábios pudessem tocá-lo na
pele, como um beijo. Coloquei minhas mãos em seu entorno como se eu pudesse
abraçá-lo. Deixei então com que minha mão seguisse para baixo, passando por
seus ombros e braço... Pude finalmente senti-lo os dedos, e minha mão se uniu a
dele como num encaixe perfeito de um quebra-cabeça. Ficamos assim por alguns
instantes... Eu o acariciava a mão e ele passeava com os dedos entre meus
cabelos. O som do piano ao fundo eclodia com o ritmo descompassado dos nossos
corações, e a paz daquele momento se expandia e ia de encontro a imensidão do
céu com suas estrelas, talvez quase tão brilhante quanto os meus olhos
sonhadores. Talvez meus sonhos combinassem com os acordes pré gravados daquele
piano.
- Pra sempre?
- O quê?
- Duraria?
- O quê?
- O tudo?
- O que é o tudo?
Alguns minutos de silêncio foram tudo o que ambos tivemos como
resposta.
- Nós dois.
- Nós somos tudo?
- De certa forma...
- De que forma?
- Da minha forma.
- Qual é a sua forma?
- A sua forma.
- Não entendo.
- Você prefere não
entender.
Mais silêncio.
- Você é o meu tudo. Você
sou eu, completo. Você é meus sonhos, meus medos, minhas fantasias. Meu desejo,
minha brisa. Meu cais no porto, minha esperança. Meu desatino. Meu despertador
e meu atraso. Você é meu piano. – Eu dizia calmamente ao passar meus dedos nos
dedos dele. - Você é o meu cantar, meu dormir e o meu repousar. Você é o meu
colo, meu acalento. Você é tudo de mim que eu nasci sem. Que eu sonhei em
encontrar.
- E conseguiu? – Ele
disse com os olhos curiosos e ao mesmo tempo, calmos.
- Me responda você.
- Como?
- Você ficaria?
- Você quer?
- Você quer?
- Você já perguntou a sua
mão se ela ficaria com você?
- Não... - Respondi
confuso –
- Porque?
- Que tipo de pergunta é
essa? Que tipo de pessoa pergunta a própria mão se ela ficaria ali pra sempre?
- Você.
- Eu não. Não tenho o
costume de falar com mãos... – Respondi em tom de ironia -
- Mas tem o costume de
perguntar a você mesmo se eu ficaria.
- Não estou entendendo.
- Suas palavras. Eu sou
você, e tudo o que te completa. Tudo o que ama, tudo o que te deixa no prumo e
tudo o que te tira do eixo. Sou o que te acorda, o que te deixa acordado, o que
te acalenta, o que te faz dormir. O que te ampara, o que te segue, o que te
segura e o que te levanta. Sou o que você sempre procurou e encontrou. Como eu
poderia partir e arrancar de você tudo o que sou em você? Não serei um ladrão
de sorrisos.
- E o que você será? –
perguntei leve, com uma paz de espírito enorme ao ponto de me levar ao sono. –
- Nada além do que já
sou. E do que posso ser. E do que quiser que sejamos. E tudo o que precisar que
eu seja. Eu continuarei sendo o tudo que te completa.
- Você promete?
- Parece bom pra você?
- Me parece perfeito.
- Perfeito como?
- Como isso.
- Como isso o que?
- Como esse sonho. Como
você. Tenho um último desejo.
- Qual?
- Quando a manhã vier...
Não me deixe jamais... Acordar.
- Eu prometo. Agora me
beije antes que o despertador toque.
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